O ANIVERSÁRIO
Esta semana tem sido dolorosa.Não sei se pego nas revistas,nos jornais,se assisto TV ou entro na Internet.São sempre os mesmos relatos,as imagens tão vivas...Meu Japão em ruínas,engolido por uma tsunami.Lembrei de nossa cultura,das festas de aniversário(verdadeiros rituais),cada um com um significado.A celebração mais importante é o casamento,tão produzido que parece mágica.Que saudades...Em uma manhã tudo mudou,me vi em um avião,com meus pais(formávamos uma família tradicionalista).Recordo perfeitamente:tinha 8 anos.
Cheguei a essa terra desconhecida,com gente diferente,que logo me acharam estranha.Fiquei encantada com São Paulo,principalmente com o bairro da Liberdade,um pedacinho do Japão no Brasil.Na escola meus colegas não foram tão gentis quanto desejei.Cursei meu ensino fundamental e médio com muita dedicação,nos anos certos.Não era ada fácil,meus dias de verdadeiros massacres,chegava em casa como se acabasse de lutar.Sim,não porque me chamavam de ''nerd'',de ''japa'' e até alguns insultos,mas sim porque nunca me senti amada,sempre humilhada e excluída.Anos mais tarde descobri o nome disso:bullying.
Estava próximo do meu aniversário de 9 anos.Meus colegas destruíram um sonho,uma expectativa.Não conhecia muito bem a cultura brasileira e eles me enganaram.Sabia,que o dia que eu comemoraria meu nascimento,teriam bolas coloridas,doces,salgadinhos,um bolo e velinhas para eu soprar.Seria minha primeira festa no Brasil,muito diferente da cultura de minha província,dos meus ancestrais.Um dos meus colegas,disse que não era bem assim o acontecimento:me espantou,falando que as velas representavam a morte e se elas ascendessem mais de uma vez,eu estaria condenada a ser uma alma penada.Todos riram.Como fui injenua!Cheguei em casa derramando lágrimas,por todos acharem que eu era boba.Sabia que eles estavam mentindo!Meu aniversário tinha caído em uma sexta-feira.Fui na aula normalmente.Durante o intervalo,riam,cochichavam e olhavam p/ mim.O pior estava por vir.Quando acabou a aula e eu passei do portão da saída,não tive tempo de correr ou tomar atitudes.Fui atingida por uma chuva de ovos.Assustada,comecei a chorar.Uma garota segurou meu braço,dizendo:
_Misa Shimizu,você tem muito o que aprender!_ela tirou algo do bolso,enquanto 2 meninas me seguravam.O objeto era uma tesoura.
Quando cheguei em casa,minha mãe cuidou de mim.Elas tinham cortado o meu cabelo!Fiquei muito deprimida.A festa mais magica,mais admirada,tinha tornado-se um pesadelo,meu trauma.Daquele dia em diante,nunca quis ter ou ir em uma festa.E a escola?O lugar onde nunca queria estar!Todos os dias correndo,fugido e me perguntando:onde esta o amor?Queria que o tempo corresse tanto quanto eu,que naquele dia existisse uma rua infinita pela qual,poderia correr eternamente.
O destino resolveu inverter a minha situação.Entrei para a faculdade de letras.Sempre gostei de escrever,de idiomas e de português.A garota que constantemente fugia nos corredores da escola,na sua vida sofrida,voltaria as salas de aula,agora como professora.Meu maior desejo:servir a sociedade,fazer algo por ela e tentar não ensinar só a matéria para os meus alunos e sim,ajuda-los a fechar os olhos e reconhecer seus sentimentos.Faculdade...Posso dizer que foi ali que fiz minhas primeiras e verdadeiras amizades.
Jamais esquecerei do grande presente que recebi a 4 anos atrás.Esses meus amigos de faculdade,me prepararam uma surpresa.Entrei em meu apartamento,acendi a luz da sala e estavam todos lá,ditosos com a minha chegada.Uma mesa decorada,um bolo,20 velinhas.Oh,Deus,meu primeiro aniversário!Não sabia reconhecer meus sentimentos:estava feliz ou triste?Abri um sorriso p/ cumprimenta-los e me aproximei.Diante do bolo,tive vontade de chorar,mas não podia,não era hora p/ aquilo.Segurei minhas lágrimas ao lembrar de meu passado negro.O calor dos meus amigos,o amor que sentiam por mim,fez com que eu esquecesse todo aquele trauma,trazendo de volta,minha expectativa por mais um aniversário.E não foi só isso que mudou aquele dia:descobri naquelas coisas que não acabaram bem,é o mesmo que se elas não tivessem terminado,ou seja,minha experiência na infância só me tornou mais forte e jamais comprometeu meu futuro.
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